quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Aquilo que não parece é


Lembro-me que num fim de dia como todos os outros- exceto pelo fato do meu Fox, ano 2007, encontrar-se na concessionária para revisão- saía do meu consultório, exausta, e me dirigia ao ponto de ônibus mais próximo para enfim chegar em casa.

Ao caminhar, pensante, revoltei-me com o sujeito que diz que médico ganha a vida fácil. Olhei para mim e ali estava eu, formada há sete anos, pós-graduada em medicina, procurando um ponto de ônibus, como pode fazer qualquer outro cidadão brasileiro, sonhando com um banho demorado, e uma cama quentinha, pronta para descansar-me. Dobrei a esquina, avistei um ponto de ônibus. Li de longe, com dificuldade, o número 203 já desgastado e vi dois moleques mal vestidos passando por perto dele. Assim que os vi, retrocedi e fui procurar outro ponto de ônibus. Pensei no preconceito. Senti-me envergonhada, mas não me convenci a mudar a minha atitude. A falta de segurança pública falou mais alto. Todo cidadão é vulneravelmente igual, quando o que se encontra em questão é o medo.

Depois de andar mais um pouco, cheguei num ponto de ônibus movimentado, até que me sentei ao lado de uma senhora de uns 40 e poucos anos. Encontrava-me ainda reflexiva sobre o que pensara dos dois adolescentes que talvez, passassem apenas por necessidade e que de uma forma ou de outra, foram discriminados por mim apenas com base em suas vestimentas. O que poderia fazer? Sou apenas mais uma cidadã temerosa. O 203 demorava a passar, muitos foram indo embora. Só restou essa senhora. Ela parecia ansiosa, olhava pro relógio e ao redor constantemente. Certamente, também iria pegar o 203. Perguntei-lhe:

- A senhora sabe se é muito perigoso aqui?

Ela olhou pra mim, deu uma risadinha de escárnio e exclamou:

. – Deixo-a a lição que o perigo se encontra mais próximo do que você imagina. -Rapidamente abriu sua bolsa e retirou um revólver, apontou-o em direção ao meu peito:

- Isso aqui é um assalto, se ainda não percebeu. Passe-me sua bolsa rapidamente se quiser sair daqui com vida, sem demora.

Tremendo, entreguei-lhe minha bolsa e pedi pra que não fizesse nada. Ela, rapidamente recolocou a arma dentro da bolsa e saiu, correndo, para onde não pude ao menos olhar. Entrei em desespero. Cabisbaixa, comecei a chorar e de repente, senti a presença de alguém se aproximando. Enxuguei meu rosto, reergui-me. Foi quando avistei os dois moleques mal vestidos que vira antes próximos a mim. Olhavam pra mim hesitantes. Em seus olhos, pude ver que não vieram me fazer o mal. Um deles olhou pra mim e perguntou: “Moça, aconteceu-lhe alguma coisa”?

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